Workshop Ficção a 2 metros de distância
19-20 SET 2020 | Culturgest
“Durante a actual pandemia de Covid-19 lembrámo-nos muitas vezes de outra epidemia. Desde Junho de 1981, o vírus VIH infectou 75 milhões de pessoas, tendo matado cerca de 32 milhões em todo o mundo. Desde que foram reportados os primeiros casos de infecção, há exatamente 39 anos, a SIDA continua sem cura e estima-se que só em 2018 (os últimos dados disponíveis) terão morrido cerca de 770,000 pessoas em todo o mundo de doenças relacionadas com o VIH.
“Não vou desistir do meu livro para salvar a minha vida”, escreveu em 1990, Hervé Guibert, escritor e fotógrafo francês, seropositivo, no livro autobiográfico À l’ami qui ne m’a pas sauvé la vie, sobre o seu esforço desesperado para ter acesso a uma “vacina experimental contra a SIDA”.
No passado dia 12 de Junho, a New York Review of Books publicou um artigo de Andrew Durbin, intitulado Hervé Guibert: Living Without a Vaccine:
“Guibert chega à conclusão que uma das poucas misericórdias da SIDA é o ênfase que coloca no pouco tempo que te dá. O que fazer com a vida que não pode ser salva? Use-a, Guibert implora aos seus leitores, e enfureça-se – ou escreva. Muitas das lições deste relato de uma vida que não pode ser salva continuam por aprender, mesmo agora, quando nos deparamos de novo com um vírus feroz. (…)
Quando os Estados Unidos ultrapassaram os 100,000 mortos de Covid-19 no passado dia 27 de Maio, o New York Times marcou este terrível marco histórico, cobrindo a totalidade da primeira página com as figuras das vítimas, em comemoração dos mortos.(…)
A 3 de Janeiro de 1992, depois dos EUA terem ultrapassado os 100,000 mortos de SIDA, o mesmo jornal dedicou apenas alguns parágrafos à notícia – na parte inferior da página 18. Guibert tinha morrido há uma semana.”
No passado mês de maio, surgiu em Portugal o “Protocolo de prevenção do contágio por infecção de Covid-19 na produção de audiovisual”, elaborado pela APTA (Agrupamento Português de Técnicos de Audiovisual), que acompanha o desconfinamento da sociedade, estipulando regras e restrições para retomar as filmagens.
Restrições / limitações / condicionalismos / contrariedades / obstáculos / antagonismos / entraves: sinónimos com que diariamente lidamos na criação cinematográfica. Quanto mais conscientes estivermos desse fiel da balança sempre presente sobre as nossas cabeças, melhor poderemos tirar partido dessas restrições. A criação livre implica a conquista da liberdade: colectiva, porque o cinema não se faz sozinho e, mais difícil ainda, a individual, porque temos que enfrentar os nossos demónios.
O que fazer? Escrever, como implorava Guibert, ou, no nosso caso, FILMAR.”
João Pedro Rodrigues & João Rui Guerra da Mata