A 5ª edição da BoCA - Bienal de Artes Contemporâneas, decorrendo simultaneamente em Lisboa e Madrid, propõe uma travessia ibérica que desafia os limites entre territórios geográficos, culturas, imaginários e práticas artísticas.

A BoCA 2025 apresenta-se como o evento cultural mais representativo da cena artística ibérica, ao incorporar diversas áreas artísticas – artes performativas, artes visuais, música e cinema – e mais de 30 instituições culturais de Lisboa e Madrid – teatros, museus, centros culturais, cinemas e monumentos. Nesta reconfiguração cultural e geográfica que supera fronteiras, constrói um palco único e plural que reflete as vozes do tecido artístico e cultural dos dois países, fomentando a criação contemporânea num contexto internacional. Convidando artistas de diversas origens a arriscar novas colaborações e formatos, diálogos com comunidades e deslocamentos entre territórios artísticos, a BoCA abraça o encontro com o “outro” como uma política e prática artística de alteridade. É neste contexto que a BoCA encomenda e apresenta projetos especiais, em estreia mundial e nacional, que desafiam as fronteiras, sejam geográficas, políticas, culturais, sejam da criação e da experimentação.

Desde os relatos que retratam a relação com o território e a identidade, até às experiências que reescrevem narrativas hegemónicas, cada projeto da programação é uma passagem por caminhos de fuga, de transformação ou de descoberta. Seja na inquietude das fronteiras, na revelação de memórias ou na construção de universos onde o real e o irreal se cruzam, a programação da BoCA 2025 propõe uma travessia que desafia as perceções convencionais e convida à reflexão sobre o lugar do artista e do espectador num mundo em constante desvio: um Camino Irreal.

Originalmente, o termo Camino Real nasceu em Espanha como uma rede oficial de estradas régias, sobretudo a partir do século XVI, embora aproveitando rotas anteriores – romanas, medievais e caminhos comerciais já existentes. Ligados à consolidação da monarquia e ao crescimento do império ultramarino, estas “estradas reais”, altamente protegidas, foram vias privilegiadas de peregrinação, comunicação e um contributo relevante para impor a língua, a religião e a cultura espanhola pelas colónias.

Para a BoCA 2025, propus – acompanhando o espírito dos tempos que vivemos e seguindo a essência da BoCA – uma distorção do “real” para “irreal”, dando lugar ao título desta edição: Camino Irreal. Este é um caminho que abraça desvios às rotas oficiais e convencionadas, convida a perder-nos, a abraçar a imaginação e a resistência, incentiva a criação de novas realidades. Num mundo em que a polarização e a pós-verdade influenciam a nossa percepção do mundo, em que as nossas crenças e valores se baralham no barulho do mundo, o irreal ascende a um lugar de refúgio, de escuta e de cuidado. Camino Irreal é um campo fértil para re-imaginar o mundo através do gesto artístico. Camino Irreal alude a um deslocamento não só físico e geográfico, que nesta edição da bienal se opera entre Lisboa e Madrid, mas também simbólico e discursivo, em consonância com a identidade de programação da BoCA. Em 2025, continuamos a convidar artistas a arriscar desvios, propondo novos caminhos e imaginários dentro da sua prática criativa e longe dos lugares onde ela habitualmente opera, mas também propomos diversos diálogos artísticos, a meio caminho, entre o lugar de um e do outro, entre artistas de Portugal e Espanha.

A programação da BoCA 2025 abrange três vertentes que traduzem as relações artísticas e institucionais que ativamos, entre Lisboa e Madrid. A primeira, é o resgate de relações artísticas entre artistas portugueses e espanhóis, como é o caso do projeto de Elena Córboda e Francisco Camacho, que remonta a uma residência artística que desenvolveram em 2015 no Festival Citemor, e agora se voltam a juntar, dez anos depois, para dar consolidar esse gesto inicial; também Tânia Carvalho volta a reunir-se com Rocío Guzmán agora em torno de um conjunto de residências que dão lugar a uma criação. A segunda remete para a valorização de relações institucionais, muito escassas, protocoladas entre Lisboa e Madrid, de que é exemplo a estreita parceria entre a Cinemateca Portuguesa e a Filmoteca Española, que recebem o ciclo de cinema “Tainted Love” de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata. A terceira tem a ver com a inauguração de novas relações artísticas e parcerias institucionais, nomeadamente co-produções e acolhimentos entre instituições de Lisboa e Madrid, cruzando teatros, museus, centros culturais, cinemas e espaços patrimoniais. Esta dinâmica cruzada entre as duas cidades e países revela a riqueza e a complexidade de um Camino Irreal que se desdobra, desafiando as fronteiras geográficas e conceptuais e impulsionando a criação artística para novos territórios.

Tiago Rodrigues, Patrícia Portela, Angélica Liddell e Rodrigo García criam performances originais para o Museu Nacional do Prado, em Madrid, “Palavras e gestos: para uma coleção performativa no Museu do Prado”, criando um estreito diálogo com a coleção do museu, num percurso noturno que cruza as linguagens do teatro, da dança e da pintura. Nesta mesma lógica de diálogo entre artes performativas e visuais, propomos, com o TBA, um encontro entre dois artistas, o dramaturgo e encenador espanhol Alberto Cortés com o pintor português João Gabriel, para a criação do espetáculo “Os Rapazes da Praia Adoro”, que por sua vez imagina o encontro entre dois corpos como duas culturas, numa praia imaginária, à distância exata entre Lisboa e Madrid.

Experimentando um formato novo no seu percurso, convidámos Dino D’Santiago a criar uma ópera, “Adilson”. Com libreto a partir do texto original de Rui Catalão e direção musical de Martim Sousa Tavares, o espetáculo é “o retrato de uma sociedade que transforma a existência em burocracia e a identidade em labirinto”, refere o artista, para abordar a história real de Adilson e de outras pessoas migrantes que esperam, anos após ano, por um documento que prove a sua identidade, dignidade e liberdade. A espera e a imigração é também retratada na obra do fotógrafo colombiano Felipe Romero Beltrán, que apresentamos pela primeira vez em Portugal. Utilizando o corpo como metáfora, “Dialecto” reúne obras de vídeo, instalação e fotografia numa exposição que retrata de forma política e poética a opressão burocrática que adolescentes marroquinos enfrentam na sua chegada a Espanha. O que define, quem define, aonde pertencemos? Raquel André, com o seu filme-concerto “Belonging”, questiona o conceito de pertença a partir do mapeamento genético, social, político, cultural e íntimo de diferentes pessoas. Pode a fronteira delimitar a construção de relações e de processos identitários, ou, pelo contrário, ser terreno de fluidez e permeabilidade ao outro? É a partir de uma investigação no terreno, no espaço de fricção e de coexistência cultural da fronteira ibérica, que Niño de Elche & Pedro G. Romero desenvolvem com músicos e historiadores locais um projeto colaborativo que propõe devolver à cultura popular o seu potencial de mestiçagem, de conflito e de reinvenção. Este concerto e conferência-performance serão apresentados em Lisboa e Madrid, tal como o concerto colaborativo que junta a artista multidisciplinar portuguesa Tânia Carvalho com a artista andaluza Rocío Guzmán, que exploram entre o português e o espanhol, entre a melancolia e força, uma convivência entre as suas linguagens musicais e universos performativos. A memória também é lugar de caminhos que se cruzam – é a partir das impressões e detalhes guardados na memória, como espectadores das peças um do outro, que os coreógrafos e bailarinos Elena Córdoba e Francisco Camacho criam “Uma ficção na dobra do mapa”. Também entre memória e presente, a artista visual Ana Pérez-Quiroga criou o seu primeiro filme que pergunta “De que casa eres?”, um retrato que explora a ligação entre mãe e filha, a partir da história de Angelita Pérez.

O artista angolano Kiluanji Kia Henda oferece-nos um olhar contundente sobre a diáspora e a procura por um “norte” que muitas vezes se revela ilusório. Em “Coral dos Corpos sem Norte”, o artista convida-nos a percorrer um percurso labiríntico que reflete a condição da migração como uma “pemba/mbindi”, um feitiço que nos prende a um ciclo vicioso de partidas e regressos. Tanto no espetáculo de teatro, no TNDMII, como na instalação de grande escala apresentada na Praça do Carvão, no MAAT, o labirinto metálico convida o público a ser estrangeiro, explorando a errância e um destino incerto.

Na BoCA 2025, apresentamos um conjunto de criações que revelam um profundo interesse na exploração da espiritualidade e da ritualidade, reinterpretadas através de lentes diversas. Em “13 Alfinetes”, curta-metragem filmada entre Lisboa e Madrid, encomendada a João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata, a fé e a devoção são filtradas por um olhar irónico e sensual, questionando o lugar do sagrado num mundo secularizado. Marcos Morau revisita, em “Totentanz”, a tradição medieval da “dança da morte” como um ritual coletivo para os nossos tempos, confrontando-nos com a fragilidade da vida e o mistério da mortalidade num mundo que naturalizou a violência. A coreógrafa espanhola Candela Capitán apresenta-se pela primeira vez em Lisboa, com o espetáculo “SOLAS” – um mergulho no universo digital para expor a alienação e a erotização do corpo feminino na era da hipervisibilidade, questionando os rituais de vigilância e a exposição nas redes sociais. Por fim, “Ocean Cage” marca o regresso do artista chinês Thianzuo Chen a Lisboa, em diálogo com o coreógrafo e bailarino indonésio Siko Setyanto. Este espetáculo imersivo transporta-nos para um ritual ancestral de caça à baleia na costa de Lamalera, na Indonésia, explorando a interdependência entre espécies e a procura por uma justiça mais-que-humana, ao cruzar-se tradição, ecologia, espiritualidade e tecnologia. Estreando-se em Portugal, a dupla de músicos e coreógrafos catalães Aurora Bauzà & Pere Jou apresentam no Panteão Nacional “A Beginning”, um espetáculo que cruza canto e coreografia, que explora a tensão entre o individual e o coletivo, numa experiência que ressoará nos nossos corpos. Através destes caminhos não lineares, estas criações desafiam-nos a questionar as nossas crenças e rituais, a confrontar os nossos medos e a re-imaginar o nosso lugar no mundo.

Continuando a propor uma interdependência entre práticas artísticas e natureza, a BoCA convidou a artista Adriana Proganó a criar uma instalação para o espaço público natural. “Echoes of whispers, plimplim” convida o público a ver, mas sobretudo a escutar, expandindo a percepção sonora a partir do solo. Já “Yo No Tengo Nombre”, a instalação performativa que o coletivo El Conde de Torrefiel apresenta na Estufa Fria, em várias sessões diárias, inverte a relação entre observador e observado, propondo uma via onde a natureza se torna protagonista e narradora. Por seu lado, o ciclo de performances “Quero ver as minhas montanhas”, inspirada no legado de Joseph Beuys e na sua visão da arte como força motriz da mudança social, convida artistas como Isabel Cordovil ou Gemma Luz Bosch a trilhar o seu “eu”, as suas próprias montanhas, através de intervenções efémeras em espaços naturais de Lisboa e Madrid.

A poesia da mexicana Elvis Guerra, declamada em zapoteca, convida-nos a trilhar um Camino Irreal através da linguagem e da cultura, explorando a identidade muxe e as tradições do Istmo de Tehuantepec. A performance do artista guatemalteco Naufus Ramírez-Figueroa, “De Espiral em Espiral”, traça um percurso através do tempo, revisitando as cartas coloniais como símbolos de controlo e resistência, subvertendo as marcas do passado e criando uma espiral de renovação. Já o artista espanhol residente em Lisboa, Julián Pacomio, com “Toda la Luz del Mediodía” e “Os Teus Mortos”, propõe um ciclo solar: expõe as diferentes intensidades da luz e a sua influência no corpo e no espírito, convida-nos a abraçar a escuridão como um espaço fértil de transformação e a honrar os nossos mortos.

A BoCA 2025 presta também homenagem àqueles que trilharam caminhos desafiantes, tornando-se exemplos de coragem, de inspiração e resiliência. Transformando o Panteão Nacional numa espécie de tribunal expandido, Milo Rau e Servane Dècle apresentam “O Julgamento de Pelicot”, um tributo a Gisèle Pelicot, que converte a vergonha em denúncia e a dor em luta contra a violência de género. Viaja a Madrid a escultura-forno “Alcindo Monteiro”, do artista argentino Gabriel Chaile, que perpetua a memória do jovem português assassinado num crime racista, com ativações performativas de artistas e comunidades locais do bairro de Lavapiés. E Chrystabell, em “The Spirit Lamp”, invoca o legado visionário de David Lynch, apresentando em Lisboa um concerto performativo que revela o mistério e o amor que atravessa a sua estreita colaboração musical, que abrange mais de um quarto de século.

A 5ª edição da bienal BoCA percorre um Camino Irreal que desafia fronteiras geográficas, culturais e conceptuais. Neste percurso, o público é convidado a percorrer os meandros do corpo, da memória e da linguagem, à procura de outtos mapas possíveis para um mundo em constante mudança.

John Romão
Curador

  • John Romão Curadoria BoCA 2025

  • Suzanne Marivoet Direção executiva

  • José Maria Cortez Direção de produção

  • Lorenzo Pappagallo Coordenação BoCA Madrid

  • Rita de Neves Dias Administração

  • Inês Sampaio, Olivia Portellada, Filipe Metelo, Ira Leite Velho Produção Executiva (Lisboa)

  • Marisol Pérez, Lucía Mancheño, Patricia Torrero Produção Executiva (Madrid)

  • Rita Matos Dias Produção de Documentários

  • Daniel Guedes (Lisboa), Ana Caballero Menéndez (Madrid) Assistência de produção

  • Carlos Arroja | Arte da Luz Direção Técnica (Lisboa)

  • Matxalen Díez Direção técnica (Madrid)

  • Maria Barbosa de Carvalho Comunicação

  • Claudia Galhós Documentação e entrevistas

  • This is Ground Control Assessoria de Imprensa (Lisboa)

  • Cultproject Assessoria de Imprensa (Madrid)

  • Inês Le Gué Difusão

  • Sara Franqueira Coordenação e Mediação BoCA Sub-21 (Lisboa)

  • Sara Coelho Galán Mediação BoCA Sub-21 (Madrid)

  • Ana Resende Studio Identidade BoCA 2025

  • Miguel Santos Design

  • Bruno Simão Fotografia (Lisboa)

  • Raimundo Pérez-Messina Fotografia (Madrid)

  • Waves of Youth Registo audiovisual e documentários

  • António Borges da Costa Mendes, Joseph Owen Tradução

  • Contas ao Cubo Contabilidade

  • PLMJ Apoio jurídico

  • Apoio institucional

  • Financiamento

  • Apoio ao programa educativo

  • Apoios

  • Parcerias de programação

  • Parcerias media

  • Parceria de divulgação