BoCA ONLINE
Programa de criação artística e circulação de pensamento
Este é um tempo propício ao desaceleramento da velocidade vertiginosa que eu falava em “Romeu e Julieta”, em fevereiro passado, no TNDMII, espetáculo que propunha uma “inércia da velocidade” (Paul Virilio), uma distopia na qual os corpos permaneciam imóveis e não se tocavam. O contexto de paralisia mundial que hoje vivemos, causa da atual crise pandémica, pode servir a oportunidade para descolonizar o nosso imaginário e repensar modelos de comunicação, de produção e de apresentação performativa que, nascidos nas urgências específicas deste contexto crítico, possam ser consequentes e se possam prolongar no futuro.
Mais do que medidas de recurso que advêm da impossibilidade do cumprimento “normal” de um plano de atividades, a BoCA constrói de raiz um programa de reflexão sobre o estado do mundo e sobre as arquiteturas do sensível que habitamos agora: o corpo, a casa e a câmera. Estes elementos são referências centrais da história da experimentação artística, que liga o corpo performativo à tecnologia e ao espaço doméstico, a que hoje estamos circunscritos e que nos interessa problematizar neste ciclo.
Se a prática artística se alimenta de uma paixão pelo desconhecido, a BoCA aproveita este hiato temporal e espacial de confinamento, uma suspensão que nos coloca numa dúvida democrática e reclama de nós as utopias e o exercício da liberdade por via dos usos da imaginação, para inaugurar uma nova programação online. BoCA Online produz desconhecimento, produz dúvidas e questões, e projeta também “afetos expetantes” (Ernst Bloch) sobre o futuro para pensar a performatividade.
Trata-se de um ciclo de programação que tem lugar online (não-lugar) e uma duração em aberto (não-tempo), porque solidária com o setor artístico e com os públicos, com os quais pretendemos partilhar diariamente um espaço e um tempo comuns, na reflexão e na criação artística.
BoCA Online dialoga entre o passado e o presente: comissiona e financia novas criações; apresenta live streaming de performances; exibição de vídeos e filmes de artistas de coleções de arte (cooperação BoCA com Tate Modern e com Coleção Fundação de Serralves) e do arquivo BoCA; conversas online para as quais convida artistas, pensadores, cientistas, ativistas, curadores ou políticos; uma nova versão de Ecotemporâneos, que alia a fotografia, a natureza e a literatura dentro de casa; e a plataforma BoCA Sub21, dedicada a jovens entre 16-21 anos, num formato online para o qual abrimos hoje um open call.
Com uma programação diária, BoCA Online irá decorrer, pelo menos, durante dois meses e meio, até final de Junho de 2020, nos canais online da BoCA (Instagram, Facebook, Youtube) e na plataforma Zoom.
Todas as segundas-feiras anunciaremos a programação da semana, que consiste em 6 atividades diferentes, cada qual com um convidado diferente.
BoCA Online integra a participação de Ailton Krenak, Albano Jerónimo, Ana Gomes, Anabela Mota Ribeiro, André Lepecki, Alexandra Pirici, Bill T. Jones, Catarina Vaz Pinto, Cao Fei, Cecilia Bengolea, Dora Garcia, Gerard & Kelly, Gonçalo M. Tavares, Joana de Verona, Lia Rodrigues, João Pedro Vale & Nuno Alexandre Ferreira, José Bragança de Miranda, Maria Mota, Mariana Monteiro, Mariana Tengner Barros, Meg Stuart, Miguel Moreira, Odete, Os Espacialistas, Pedro Barateiro, Sara Barros Leitão, Salomé Lamas, Tania Bruguera, Tânia Carvalho, Tate Modern, entre outros convidados que anunciaremos em breve.
Estamos solidários com todo o setor artístico (artistas, técnicos, produtores, curadores, programadores,…), o qual convocamos para se juntar a nós neste ciclo de programação, que espero que contribua para uma maior união entre nós, os públicos e os outros setores da vida social, política ou ecológica, capazes de analisarmos o presente e de semearmos esperanças que nos protejam e fortaleçam um futuro por vir. Por agora, a esperança está no afeto, em nos protegermos e cuidarmos, tal como a nossa família, amigos e comunidade artística; a esperança está em desenvolvermos uma política do afeto e da solidariedade, apontando linhas novas de cooperação cultural; a esperança está também em refletirmos durante, pelo menos, dois meses e meio, sobre as nossas práticas a partir de um lugar de suspensão forçada que habitamos, e sobre as novas possibilidades que as nossas práticas poderão beneficiar, tendo em conta o contexto atual. Não será difícil antever as práticas artísticas futuras com uma pulsação vital potente e a marcar várias gerações. Vamos contribuir para isso?
John Romão